22 julho, 2004

Barroso. Algum regresso a si próprio.

Aquele mesmo Barroso que, antes dos jogos florais em que as eleições portuguesas se converteram e o arrastaram, chegou a concitar alguma ideia de abrangência, de tolerância e de perspicácia escrutinadora do oportunismo político, até parece que regressou a si próprio.
 
«Não fui eleito apenas pela direita. Mas recebi uma mensagem clara de que todos querem uma Comissão forte da qual precisamos desesperadamente» , afirmou agora esse mesmo Barroso renascido, prometendo trabalhar com os diferentes grupos políticos europeus «em coligação, para levar adiante o projecto europeu»

Também se assim não fosse, não sobreviveria politicamente por muito tempo.
 
Barroso foi eleito presidente da Comissão Europeia com 413 votos a favor, 251 contra e 44 abstenções e votos em branco, no Parlamento Europeu (732 deputados na 6ª legislatura 2004 – 2009).

Pensa-se mas não se diz.

Santana Lopes diz que Barroso pode ajudar Portugal a obter o «essencial» das «pretensões» em matéria de fundos comunitários e em especial para a agricultura. E continuou a dizer em voz alta que «o facto de termos como presidente da Comissão Europeia alguém que conhece bem a realidade portuguesa poderá contribuir para que os nossos pontos de vista sejam acolhidos».
 
Estas são daquelas coisas que se podem pensar mas não se devem dizer, quanto mais não seja para que o novo ministro da Agricultura, Costa Neves, não pense que vai ter os dias facilitados à sombra de Barroso.

Barroso, Presidente da Comissão Europeia.

A eleição de Barroso para a Presidência da Comissão vai instalar fortemente o tema da União Europeia na opinião pública portuguesa. Isso poderia já ter acontecido caso Mário Soares tivesse sido eleito para a Presidência do Parlamento Europeu, na anterior legislatura de Estrasburgo.

A opinião pública portuguesa, ou, talvez melhor dizendo, quem a condiciona, apenas coloca as instituições internacionais na sua agenda quotidiana e caseira quando há um português ou Portugal lá no topo, pelo meio ou mesmo na cauda – o que é preciso é que esteja.

Foi assim, há já muito anos, com o Conselho da Europa quando Portugal (Deus Pinheiro) exerceu a presidência do respectivo conselho ministerial – falava-se então de Conselho da Europa por tudo e por nada, depois disso a instituição como que passou a coisa clandestina. Foi assim com a Presidência do Conselho da União Europeia – qual Bruxelas! As decisões como que partiam única e exclusivamente de Lisboa! E assim foi simultaneamente com a UEO, quando José Cutileiro era o secretário-geral da organização – a UEO era como o pão nosso de cada dia. Foi o mesmo com as Nações Unidas – Portugal presidiu ao Conselho de Segurança por um mês? Era Conselho de Segurança de manhã à noite… E Freitas do Amaral não presidiu por um ano à Assembleia Geral da ONU? Foi um ano inteiro de Assembleia Geral também por tudo e por nada. E com a OSCE, com a cimeira da OSCE em Lisboa, com a presidência portuguesa da OSCE, não era OSCE também todos os dias? Só que logo pouco depois desses exercícios e desempenhos, todo foi desaparecendo: a ONU desapareceu, a OSCE pouco diz e a própria União Europeia tem sido tratada como assunto à margem, apenas subindo de tom quando algum assunto interfere com escândalo ou prenuncia perigo iminente para os interesses imediatos.

E é assim que o mandato de Barroso também se irá traduzir numa espécie de mandato da União Europeia na opinião pública portuguesa que pouco ou nada se interessou com esse tema deveras crucial como foi o do debate da Constituição, assunto que ficou confinado a muitos académicos, a alguns políticos com fito em Bruxelas por um motivo ou por outro e a uma porção mínima de curiosos.
 
Com um português à frente da Comissão, a União Europeia é mais nossa, talvez mais nossa do que na era dos subsídios a fundo perdido. Pode ser positivo se o debate revelar maturidade e não ficar reduzido ao folclore.